Por Vinicius Alves da Silva
As professoras Kelly e Grasiely costumam tomar café após o café da manhã das crianças. Enquanto uma toma café a outra faz uma atividade com a turma. Grasiely costuma solicitar que as crianças pintem o calendário no dia correspondente, para isso ela cola um calendário da lousa, distribui calendários iguais para as crianças e indica o número do dia e o mês, define a cor que irão pintar aquele dia e distribui um giz de cera para cada criança. Assim que termina de distribuir já passa recolhendo das crianças que já terminaram e pressiona as que ainda estão pintando.
Kelly costuma pedir que as crianças sentem no chão da sala e sentada em uma cadeira que é utilizada pelas crianças conduz cantigas, conta história e conversa com as crianças. No dia 23 de maio a professora cantou as seguintes músicas com as crianças:
- Bom dia (amiguinhos) como vai?;
- O sapo (na beira da lagoa);
- Jacaré foi passear lá na lagoa;
- A bruxa (Anda de vassoura, tem um narigão);
- Pela estrada a fora;
- Eu sou o Lobo Mau;
- Caranguejo (não é peixe);
- Se você está contente;
Quando estava cantando essa última canção junto com as crianças, que acompanham com coreografias (mesmo estando sentadas no chão), foi interrompida por Cauê:
- Você vai acordar o Lobo Mau!
Kelly disse que o Lobo Mau foi embora porque as crianças haviam chorado quando ele visitou a escola. Disse, também, que ele vai ficar lá na floresta para assustar a Chapeuzinho. Voltaram a cantar.
- A galinha do vizinho (bota ovo amarelinho);
Outra intervenção:
- Olha, sabia que o Lobo Mau foi no meu quarto?
Kelly não deu atenção e iniciou a canção que introduz a contação da história:
- 1, 2, 3 vai começar a historinha que agora eu vou contar [...] vai começar "Era uma vez". A história do dia era "O mistério da caverna" de Maria Cristina Vieira (tirando a história da Arabela, a professora Kelly tem contado histórias escritas por Maria que fazem parte da coleção Despertar/ Terra do Saber). Na histórias criaturas desconhecidas moram em uma caverna e não tem coragem de sair para o mar, porém, quando saem descobrimos que são peixinhos especiais que logo se adaptam ao ambiente marinho.
Antes de mostrar a ilustração dos peixinhos Kelly acrescentou:
- Hãm! Nossa! Olha isso. Vocês querem ver? Claro que as respostas foram positivas e ela mostrou a ilustração com os peixinhos. A professora acrescentou:
- Olha tem um igual eu aqui ó. E uma criança disse:
- Ele usa óculos.
Eles sempre terminam a história da seguinte maneira:
- Blá, blá, blá, blá e fim.
A relação da escuta da leitura pela criança é afetiva. Este sentimento se manifesta pela identificação com a história, com os temas tratados e com os personagens; esta identificação consiste em afirmar a sua personalidade graças ao livro, formulando parâmetros de julgamentos éticos com relação aos personagens e de experiências e questionamentos pessoais. Sendo assim a escuta de histórias tem um caráter formador ou ético (SOUZA e BERNARDINO, 2011, p. 240).
As crianças continuaram comentando:
- Ele usa óculos que nem você. Kelly respondeu:
- O Vinicius também usa óculos, olha lá. As crianças me olharam.
A história desencadeou uma conversa muito interessante. Maria costuma não falar muito nesses momentos, mas hoje ela contou para a turma que tem um peixinho. Kelly aproveitou para lembrar as crianças dos peixinhos que pintaram com cola colorida, na semana anterior, e que iriam brincar de pescaria na sexta-feira daquela semana (atividade adiada por conta da greve dos caminhoneiros). Kelly explicou o que as crianças fariam naquela quarta e continuou a dialogar com as crianças. O Wendel é outra criança que costuma não falar, as professoras dizem que ele chora muito e teve medo até quando uma das professoras disse que iria fazer uma mágica onde apareceriam doces para as crianças. Naquele dia Wendel comentou:
- Eu tenho um peixe em casa. Outra criança, também, comentou:
- Professora sabia que eu tenho um peixe laranja de brinquedo? Outra criança:
- Professora eu vou ter um peixe.
Kelly continuou a conversa perguntando se as crianças conheciam o filme "Procurando Nemo" e comentou sobre as personagens do filme, dizendo que tem peixes, tartarugas, uma criança perguntou:
- Professora tem Lobo Mau? Kelly devolveu a pergunta para a turma:
- Tem Lobo Mau no mar? O que mais tem no mar?
As crianças deram várias sugestões entre elas:
- Jacaré. Kelly perguntou novamente:
- Tem jacaré no mar?
Kelly lembra das cantigas de jacaré para dizer que tem jacaré na lagoa.
É importante identificar as falas das crianças que costumam não falar nada, as vezes, nem com os colegas. Também, o papel da professora de propor a conversa com o grupo de crianças e explorar os assuntos trazidos pela história contada. Temos muitas positividades, mas sinto falta da retomada das histórias em outros momentos e também gostaria de inserir a roda e todos sentados ao chão para que passam se olhar e ouvir. Kelly costuma pedir que as crianças escutem umas às outras e que evitem falar todas juntas, mas elas estão falando, na maioria das vezes, apenas com a professora. No dia 24 a Ágatha chamou:
- Tia. E a professora pediu que as outras crianças ouvissem. Ágatha disse algumas coisas, para nós, ainda inteligíveis ao que a professora, me olhando, comentou:
- Como eu queria entender.
O desenvolvimento infantil se dá num processo criado pela própria criança a partir das interações que vivencia, sendo assim, a literatura infantil em especial a contação de histórias na educação infantil e ensino fundamental, como atividade interativa e pedagógica mediada pelo educador contribui para este desenvolvimento. Além disso, a história permite o contato das crianças com o uso real da escrita, leva-as a conhecerem novas palavras, a discutirem valores como o amor, família e trabalho, e a usarem a imaginação, desenvolvem a oralidade, a criatividade e o pensamento critico, auxiliam na construção da identidade do educando, seja esta pessoal ou cultural, melhoram seus relacionamentos afetivos interpessoais e abrem espaço para novas aprendizagens nas diversas disciplinas escolares, pelo seu caráter motivador sobre a criança (SOUZA e BERNARDINO, 2011, p. 247).
REFERÊNCIA:
SOUZA, Linete Oliveira de; BERNARDINO, Andreza Dalla. A contação de histórias como estratégia pedagógica na educação infantil e ensino fundamental. Educere et Educare. Revista de Educação. Vol.6, nº12jul./dez. 2011. P. 235-249.
Oi Vinicius, vou comentar as suas duas postagens, ressaltando o que as duas juntas me fazem pensar.
ResponderExcluirÉ nítida a diferença de postura das professoras. Você já havia feito referência a essa diferença, mas os dois momentos relatados, nos permitem ver com nitidez.
Por outro lado, o que aprendemos com Foucault sobre o papel disciplinador dos corpos ( edos afetos e das possibilidades cognitivas em constituição) desempenhado pela escola se explicita nas formas como as duas professoras interagem com as crianças conduzindo o trabalho.
Se em alguns momentos as atividades são conduzidas sem a ironia e o controle simbólico (no tom de voz, nos olhares, nas recusas) que faz as crianças temerem sair do lugar, assimilarem as regras para não serem punidas, mesmo quando há histórias e música na sala, as cantigas são escolhidas pela professora, o lobo mau só "entra na roda" se ela quiser, as crianças só dançam se ela quiser, e ela só dá atenção paraq uem e para o que ela quer, coibindo dessa forma, as tentativas de expressão feitas pelas crianças, o convite a outras brincadeiras, "mantendo cada um em seu lugar".
E muito bom quando você se pergunta como faria se estivesse mediando a atividade com os brinquedos e oferece uma boa alternativa.
A situação só reitera a discussão sobre o controle das crianças, sobre o exercício do poder adulto, sobre as inconsistências dos modos adultos de interagir com os crianças ( Por que Miguel é sempre o primeiro? Como as crianças podem aprender a cuidar dos brinquedos se não podem usá-los sempre? Por que oferecer brinquedos de uma caixa que ela não quer pegar porque é pesada? Por que a ironia dirigida as crianças?)
Por que?
Algo para pensarmos (e que, adianto, não nos ajuda a responder) é que os/as professores/as têm instrumentos didáticos, como a publicação orientadora do MEC, para refletir, aprender, trasnformar suas possibilidades de ação junto as crianças. Uma questão para nós - professores/as - é por que o que temos aprendido sobre as crianças , sobre as infâncias e sobre a educação infantil parece não chegar, não afetar a escola.