Por Vinicius Alves da Silva
A
Escola Pública de Guarulhos – EPG Martins Pena leva o nome de um
dos grandes dramaturgos brasileiros, mas como uma ironia do destino e
talvez um diálogo com sua comédia de costumes, quem mora nessa
escola é o Lobo Mau e quem me deu essa informação foram pessoas
que sabem o que dizem.
![]() |
Fachada da escola |
O
dia 15 de maio de 2018 foi o primeiro dia de imersão na Residência
Pedagógica – RP na Educação Infantil – EI e a turma do
Maternal E não para de falar desse ilustre morador. As professoras
Kelly e Grasiely, que trabalham na EI há 15 anos, sendo 8 desses
anos, juntas, me contaram que a excitação das crianças havia sido
causada pelo projeto pedagógico do mês de abril. Nesse projeto
sobre literatura infantil as crianças tiveram contato com a história
da Chapeuzinho
Vermelho e como atividade de encerramento enquanto as crianças
(Chapeuzinhos
Vermelhos) passeavam pela escola com a professora Kelly, o Lobo Mau
apareceu. Kelly quase não conseguiu
ver por onde
ele andava e o que fazia, mas as crianças viram e lembram de muitos
momentos. As professoras me contam que Grasiely se fantasiou de Lobo
Mau e depois se descaracterizou em
frente à
turma, já dentro da sala. Elas afirmam que quando o Lobo aparecia,
as crianças corriam para todos os lados, se escondiam, se ajudavam,
fugiam na carreira.
Vocês
podem se perguntar: por que estamos falando sobre o Lobo Mau? Vou
lhes contar.
Fui
levado à sala 5 pela diretora Tatiane Lyra, que perguntou às
professoras se elas “tinham residente”, elas disseram que era o
rapaz, no caso, eu, o único residente homem dessa turma de imersão.
Entrei e cumprimentei as professoras dizendo meu nome, algumas
crianças já estavam na sala, fui até cada uma delas para desejar
um bom dia, dizer meu nome e descobrir o delas. Passada a vergonha
inicial e já com 8 meninos e 5 meninas na sala, um menino, apontando
para o lado de fora da sala, pela janela, me avisou:
-
Lobo Mau!
Brinquedos
foram distribuídos para as meninas, eram panelinhas, fogão,
liquidificador, colheres, pratos, panelas. A professora Grasiely
passava tirando os utensílios de uma sacola plástica e colocando
uma quantidade em frente a cada uma das meninas, que a essa altura já
haviam sido organizadas em uma mesa separada das outras duas
compostas somente por meninos. Uma caixa organizadora cheia de
carrinhos foi colocada no chão pela mesma professora, que ia
chamando um menino de cada vez para ir até a caixa escolher um
carrinho e voltar ao seu lugar. As crianças parecem estar habituadas
à rotina de chegar na sala, tirar o copo e o caderno na mochila,
colocar o copo sobre a mesa com o filtro de água de barro, o caderno
sobre a mesa das professoras e sentar em uma mesa. Também parecem
habituadas ao ritual de pegar os brinquedos nas caixas organizadoras.
Questões de gênero emergem, em meu pensamento, quando os meninos
brincam de “carrinho” e as meninas de “panelinha”. Mas isso
tudo pode ser assunto de outras postagens nesse blog. O que nos
interessa aqui, continua sendo o Lobo Mau.
Após
a distribuição dos brinquedos, no decorrer da brincadeira, fui me
aproximando das crianças para brincar com elas. Perguntando sobre a
comida que estavam fazendo, jogando um carrinho aqui e outro ali.
Mas a Ana Luíza me chamou:
- Vinicius!
- Vinicius!
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Lobo Mau de Paulo Monneratna |
Solícito,
fui até ela que, preocupada, me preveniu:
- O Lobo Mau quer te comer!
Seguindo a menina, outras crianças me alertavam:
- Ele mora ali fora.
- O Lobo Mau veio aqui.
- O Lobo Mau quer te comer!
Seguindo a menina, outras crianças me alertavam:
- Ele mora ali fora.
- O Lobo Mau veio aqui.
Recolhidos
os brinquedos fomos ao café e enquanto as crianças comiam e tomavam
leite, uma delas me confessou:
-
O lobo mau queimou a bunda!
Elas
estavam me contando como foi o dia em que o Lobo Mau foi visto,
também me contaram que a professora Grasi era o Lobo Mau. Diziam que
ele estava na floresta, que é o jardim lateral da escola e que ele
queimou a bunda porque entrou pela chaminé.
Na volta a professora Kelly cantou cantigas junto com as crianças, que ficavam sentadas ao chão, no centro da sala, enquanto Kelly estava sentada em uma cadeira como as que as crianças usam. As cantigas eram cantadas com acompanhamentos de gestos que as crianças parecem dominar há um bom tempo. As crianças pediam cantigas ao término da que estavam cantando:
Na volta a professora Kelly cantou cantigas junto com as crianças, que ficavam sentadas ao chão, no centro da sala, enquanto Kelly estava sentada em uma cadeira como as que as crianças usam. As cantigas eram cantadas com acompanhamentos de gestos que as crianças parecem dominar há um bom tempo. As crianças pediam cantigas ao término da que estavam cantando:
-
A do Jacaré!
A
professora seguia cantando junto com eles. Mediadas por uma outra
cantiga, as crianças se prepararam para ouvir uma contação de
história, o livro de hoje foi: “O Macaquinho Traquinas” de Maria
Cristina Vieira. Após a leitura e uma breve conversa sobre o
macaquinho e sua história, fomos ao parque externo.
O
parque possui uma casa daquelas estruturadas em plástico, com
portas, geladeira, micro-ondas, lareira e janelas, também possuía um
escorregador que, ao que tudo indica, foi roubado há poucos dias. No
parque também tem um conjunto de plástico com dois escorregadores,
túneis e rampa de escalada; e uma quadra que está desativada devido
à estrutura das grades laterais não ter sido bem construída. O
fato é que a casa em que as crianças brincavam, também, era a casa
do Lobo Mau. Para outras crianças, não era ali que ele morava:
-
O Lobo Mau é muito grande e mora lá no mato!
Enquanto
brincavam, propus que a gente fugisse antes que o Lobo voltasse para
a sua casa. Em outros momentos propus que a gente fizesse comida
para o Lobo Mau. As crianças embarcavam nas propostas com muita
facilidade. E as professoras, que estavam sentadas conversando, só
interagiam com as crianças quando viam uma delas correndo. Nesse dia
o Cauê ficou sentado ao lado delas na maioria dos momentos em que
brincamos no parque. Segundo elas, ele já está até acostumado.
De
volta à sala vimos a série de animação da Disney “A Guarda do
Leão”. Eu estava com muito sono, confesso e sentado atrás das
crianças que vira e mexe olhavam para trás para me olhar fui
questionado por um dos meninos:
-
Está com sono?
Confirmei
sua suposição e me atentei para não cochilar enquanto elas
vibravam com o “desenho”. Às terças-feiras as 21 crianças do
Maternal E tem três atividades delimitadas pela agenda/ organização
dos espaços e recursos da EPG, das 8h30min às 9h brincam no parque
externo; das 9h15min às 10h30min veem vídeo na televisão que é
levada para a sala de aula; e das 11h às 11h30min brincam no parque
lateral que tem “A Casa da Moranguinho” (Uma caixa d'água de
zinco gigante, onde posso ficar em pé tranquilamente, ou seja, com
mais de 1,80 de pé direito, pintada como um morango).
É
o parque lateral que vemos pela janela da sala 5 e nele temos três
balanços de pneu (um está quebrado), um escorregador parecido com os
do parque externo e a casa da Moranguinho. Enquanto as crianças
brincavam e as professoras conversavam, fui orientando as crianças
que gostariam de subir no balanço de pneu como o Cauê fazia, mas
também, brinquei na casa da Moranguinho. Lá a Amanda “fez de
conta” que era o Lobo Mau, que aparecia nas janelas, corria atrás
das crianças e fazia barulhos guturais; todos entraram na
brincadeira, mas a gritaria e correria incomodou as professoras.
Achei melhor fazer um piquenique dentro da casa, estendi a toalha
invisível e tomamos diversos sucos que as crianças faziam e diziam
gostar.
A brincadeira de faz de conta é o cenário em que a criança pode agir de acordo com um determinado papel, mas, ao interpretá-lo, precisa seguir o que as regras ditam, senão a brincadeira acaba. E ela sabe disso. Por isso, é uma atividade dramática e não é a resolução do conflito em si ou a satisfação apenas de certos desejos os aspectos mais importantes. O importante é a tomada de consciência, por parte da criança, da existência de regras, ou seja, uma coisa é se comportar como irmãs na vida real e outra é brincar de irmãs numa situação imaginária (PRESTES, 2016, p. 34).
O
Lobo Mau não foi esquecido em nenhum dos dias dessa semana, e hoje,
sexta-feira, 18 de maio, quando brincamos de peças de construção
de madeira (“Casinhas inglesas”), próximo ao jardim lateral, as
crianças diziam:
-
Professora! Aqui é a casa do Lobo Mau!
Kelly
deu uma bronca neles, dizendo que o Lobo Mau não mora lá e que
havia ido embora. Mas a sua presença de terça a sexta-feira, nos
mais diversos momentos é irrecusável. Ele toma café, almoça,
brinca e orienta nossas brincadeiras. No primeiro dia da RP, quando
me contaram do projeto sobre a Chapeuzinho Vermelho, Kelly comentou
com positividade sobre como as crianças da turma embarcaram no
universo lúdico da história e da
brincadeira. Chamo a atenção sobre o quanto essa experiência foi
significativa e
positiva para essas crianças,
se é que podemos quantificá-la. Como Jorge L. Bondía afirma, é
experiência “aquilo
que 'nos
passa',
ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos
transforma” (2002,
p. 25-26).
REFERÊNCIAS:
BONDIA,
Jorge Larrosa.
Notas sobre a
experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação, Online, n.19, p.20-28. 2002;
PRESTES,
Zoia. A brincadeira de faz de conta e a infância. Trama
Interdisciplinar, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 28-39, maio/ago. 2016.
Olá Vinicius!
ResponderExcluirQue delícia!
Martins Pena iria adorar todos os "atos " dessa peça: a casa do lobo mau.
A peça, é uma peça/uma parte do conjunto de dados que você apresenta: a rotina, as atividades propostas, o tempo e o espaço dentro e fora da sala (muito boa a planta da escola!) dos acontecimentos, as professoras, a postura das professoras, você, as crianças e a imaginação das crianças: são muitas coisas compondo a cena escolar e é uma delicia ver as crianças participando animadamente, podendo espressar a fantasia, brincar com a imaginação.
Se entendi bem, você não chegou a ver o lobo mau, embora a presença dele tenha perpassado todas as atividadesque você fez com as crianças. Vocẽ não viu, mas sentiu o "bafo", ouviu a respiração do lobo - !
No inicio fiquei em dúvida quanto a como você estava avaliando a situação toda, mas ao concluir a leitura achei que você aprovou, gostou e ainda contribuiu para o enriquecimento do jogo dramático das crianças.
Não conheço o artigo de Jorge Larrosa, mas vou procurar. O texto de Zoia Prestes sobre a brincadeira (em Vigotski) é muito bom. Sobre o tema, há o livro Imaginação e criação na infancia, de Vigotski. Levarei para que vocês possam dar uma olhada e se tiverem interesse podem copiar etc.
Gostei muito de ver como as crianças gostam de histórias, pelo seu relato, dão conta de até mais que uma história por dia e a história pode ser contada, lida, encenada... despertando o interesse e a participação das crianças.
Fiquei com uma dúvida:
Cauê está se habituando a ficar com as professoras? Ele está em adaptação? Caue está se habituando a não brincar com as outras crianças? Isso acontece frequentemente? Por que?
Abr.
Fátima