O turista do Maternal A


Entrada das crianças às 7h.
Elas chegam, deixam o caderno e o copinho em cima da mesa das professoras e, por fim guardam a mochila.
Cada uma pega um brinquedo, escolhe o lugar para sentar e nele tem que ficar até a professora “mandar”.
Antes do café, às 8h, é “hora do xixi”, a professora chama aluno por aluno e pede para ir banheiro fazer xixi, com exceção de Pedro:
            - Pedro, vá fazer xixi e aproveita para fazer cocô – orienta a Professora Luciana.
A professora comentou que sempre pede para o Pedro fazer cocô porque se não orientar, ele faz nas calças.
Às 8h23, após todos tomarem seus respectivos cafés – ah! Quase me esqueci de um detalhe importante: as professoras levam o café com leite e os biscoitos para as crianças, entretanto, quando não querem mais e/ou já terminaram, as crianças levam o copo para cozinha, assim como jogam fora o que restou, sem precisa pedir permissão às professoras.
Voltando, às 8h23, após todos terminarem o café, fomos direto ao “estacionamento” da creche. A professora explicou que as crianças brincariam de “Biscoitinho queimado”. Mostrou um objeto às crianças e explicou que ele seria o “Biscoitinho”.
A brincadeira era o seguinte: todas as crianças ficariam viradas para a parede até a professora esconder o “Biscoitinho”, quando ela dissesse “Biscoitinho queimado” todas teriam que procurá-lo. Conforme se aproximavam do “Biscoitinho”, as professoras falariam se estava esquentando (aproximando-se do objeto) ou esfriando (afastando-se do objeto).
As professoras realizaram uma intervenção após duas tentativas da brincadeira, tentando explicar de forma que todas as crianças pudessem entender.
Gabi, a menina levada do dia 15/05, foi uma das primeiras crianças a compreender a dinâmica da brincadeira.
A professora estava escondendo o Biscoitinho quando percebeu que Lucas estava tentando olhar (o combinado era que todos virassem para parede ao esconder o objeto). Então:
            - Lucas não sabe brincar. Já que estava olhando, não brincará mais. E se mais alguém tentar olhar, também ficará fora da brincadeira – disse a professora Luciana.
Foto tirada por Ana Paula S. Marques em 16/05/2018 – “Biscoitinho Queimado”
Aos poucos, todos foram entendendo o que significava “quente ou frio” e se apropriando da brincadeira.
Todas as vezes que outra criança encontrava o Biscoitinho que não fosse a Gabi, ela questionava onde estava, pois não o encontrou.
A professora enfatizou o quanto ela era competitiva e precisava ensiná-la a perder.
Em uma das tentativas de encontrar o brinquedo, Sophia subiu no “barranco” e pisou em um formigueiro, a professora Luciana percebeu e na mesma hora verificou se não havia formigas nela. Sophia mostrou que estava coçando a perna, então, a professora pediu que a levasse no banheiro, tirasse as calças para sacudir e termos certeza que não haveria nada. Neste momento, percebi o cuidado com Sophia.
Ainda na brincadeira, Fernanda comentou:
            - Essa brincadeira é muito divertida!
Neste outro momento, percebi, também o quanto as crianças gostam de brincadeiras mediadas por um adulto. Refleti, também, que às vezes se cansam de brincar o tempo todo livre. O quanto é importante ponderar e mediar as ações e brincadeiras.
Quase 9h, hora de voltarmos para a sala e adivinha? Hora, também, do xixi.
Entretanto, a organização do xixi fora interrompida pela professora de outra turma. Ela estava com uma criança e a deixou com a professora da turma que estou acompanhando.
Pensei: “será que é uma criança nova na turma?”, “chegou atrasado?”, “o esquecemos lá fora? Mas tenho certeza que não o vi antes.”.
Era o Arthur, usava fralda, não falava e estava mordendo a manga da blusa. Diferente das outras crianças, não mandou que ele pegasse o caderno e copinho dentro de sua mochila.
As outras crianças da sala continuaram com a organização da hora do xixi. E o Arthur ficou ao lado da professora, o tempo todo.
Todos fizeram xixi, inclusive o Arthur. A professora trocou sua fralda, colocou um colchão no chão da sala e ali mesmo trocou.
 Hora do filme! A professora escolheu aleatoriamente um filme e pediu que as crianças permanecessem em seus lugares, porém àquelas que estivessem de costas para a TV poderiam virar sua cadeira, exceto Arthur, que ficou deitado no colchão.
O filme escolhido foi “Missão Cegonha”.
Arthur estava deitado de forma que pudesse pegar o fio da TV e, no meio do filme, acabou desligando. A professora o repreendeu e disse que não podia ter uma atitude assim. Entretanto, Bia falou que ele não puxou o fio, apenas se virou e o fio que enroscou nele, por isso acabou desligando. A professora não convencida da resposta de Bia, disse que ele havia puxado, uma vez que o fio estava na mão dele. Porém, as duas professoras ficaram o tempo todo no celular, impossibilitando de perceber a ação de Arthur.
Foto tirada por Ana Paula S. Marques em 16/05/2018 – “Assistindo ao filme: Missão Cegonha”
Retomaram o filme, as professoras continuaram no celular, algumas crianças pareciam prestar bastante atenção, outras estavam, aparentemente cansadas, deitadas com o apoio da mesa e o Arthur... ah, o Arthur. O Arthur claramente não queria ficar ali, estava tentando sair da sala, choramingando, mas a professora pediu que ficasse com ele sentado no sofá e não o deixasse sair. Peguei um brinquedo e tentei interagir com ele.
Arthur não fala (não da mesma forma que as outras crianças, mas demonstra quando está ou não feliz com determinada ação), não mantém um contato visual fixo, entretanto, gosta de segurar a mão de outras pessoas, gosta de apoiar-se e deitar-se.
O filme travou. E agora? Como já está próximo do horário do almoço, as professoras desligaram tudo e, sem saber o final, não explicaram/trabalharam a escolha do filme.
Antes do sairmos para o almoço, hora do xixi.
A professora Luciana acompanhou o Arthur e, de forma carinhosa, o serviu o almoço. Tentou, algumas vezes, fazer com que ele segurasse a colher, mas não obteve sucesso. Arthur comeu todo o almoço e sobremesa.
11h15, hora do parque interno. Mas antes, hora do xixi.
As crianças brincam de forma livre no parquinho interno, entretanto, Samuel deitou no escorregador, impedindo que outras crianças pudessem escorregar.
            - Já que o Samuel não sabe brincar, ficará aqui do meu lado – disse a professora Luciana.
Já o Arthur, a professora o abraçava, beijava e tirava muitas fotos.

Ana Paula Sapatini Marques

Comentários

  1. Oi Ana,
    Arthur parece ser o turista acidental, aquele que parece "ter caído de paraquedas" no ponto turístico e é levado por um "guia" que decide por ele.

    Ao longo de todo o relato, o que se explicita é a necessidade de refletirmos sobre formas escolares de intervenção junto às crianças: como nos dirigimos a elas? O quê e como propomos? Como podemos ajudar uma criança a compreender e usar as regras do jogo sem puní-la? Como ajudamos uma criança a aprender a controlar esfíncteres? Como podemos introduzir um filme, uma história? Se, quando e como podemos interromper o que as crianças estão vivenciando? Como ajudar uma criança como Arthur, sem perder de vista a importancia de sua interação com as outras crianças, a importancia do lugar que lhe atribuímos no grupo?

    Enfim! Muitas coisas para conversarmos!

    E, como tenho ressaltado nas postagens de seus colegas: seu relato explicita enormes e inúmeras possibilidades de ação das crianças se evidenciando nas situações vividas.

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  2. Ana,
    também fiquei me perguntando de onde vem Arthur?
    A qual grupo pertence?
    Por que veio para a sua sala de imersão, nesse momento do dia/rotina?
    Quando você descobrir, pode nos contar.

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