Professora! A Ágatha! Ela sabe falar!

Por Vinicius Alves da Silva

A EPG Martins Pena esse ano está organizando o seu planejamento através de projetos mensais. No primeiro dia se imersão tivemos uma conversa com a Alessandra, uma das coordenadoras da escola e ela nos informou que o projeto desse ano se intitulava: "Cantando, brincando, fazendo e aprendendo", esse mês estão trabalhando com o tema brincadeiras e o mês que vem o tema será "Copartilhando comigo", uma brincadeira com a artilharia do futebol, a copa do mundo e a ideia de compartilhar. Talvez compartilhar seja o tema dessa postagem. 

No primeiro dia de imersão a professora Kelly me chamou e indicou que a menina Ágatha não conseguia falar e que, talvez, a minha presença, sendo nova, a fizesse se comunicar ou, talvez, eu entendesse algo do que ela balbucia. Kelly também informou que tinha um menino com a situação parecida, mas que ele não estava na sala aquele dia. A professora me pediu que eu desse uma atenção especial à Ágatha e que se ela falasse comigo era para eu avisá-la. 

Acontece que Ágatha fala conosco durante todo o tempo, mas ela fala do seu jeito. Desde o primeiro dia venho conversando com ela e tentando que ela interaja com as outras crianças e com as professoras. A professora Kelly chegou a conversar com as crianças que havia me pedido para dar a atenção especial e que não era para todos ficarem me chamando ou me rodeando o tempo inteiro, para que eu conseguisse interagir com a Ágatha. 
Aneja indicou alguns sinais de alerta para desordens da linguagem na criança, tais como: nenhuma palavra emitida até os 18 meses; não colocação de duas palavras juntas aos dois anos; ausência de desempenho imitativo e simbólico aos dois anos; não formação de sentenças aos três anos; discurso incompreensível aos três anos). Para Oller et al., o balbuciar que normalmente é produzido por volta dos 10 meses de idade, quando atrasado, pode prognosticar desordens da fala (MARTINS e PRATES, 2011, p. 58).
Kelly comentou sobre uma certa resistência de encaminhamento por parte da coordenação, mas não entrou em detalhes e fiquei com receio de perguntar mais informações. Kelly fez pedagogia na Faculdade Sumaré e Grasiely nas Faculdades Integradas Torricelli e não sei se tiveram formação sobre educação especial, mas a professora Kelly me disse que seria mais fácil trabalhar com Ágatha e com o Calebe se ela soubesse "o que eles têm". Durante o meu percurso na UNIFESP também não tive contato algum com essa área da educação e me pego, agora, tentando mediar uma situação de compartilhamento de saberes, afetos e brincadeiras. 

Na quinta-feira, 17 de maio, a Ágatha repetiu um sonoro "Bom dia" depois que eu a cumprimentei e minha presença parece ter gerado um grande afeto. Ágatha me abraça, às vezes levanta e vem conversar comigo. Nesse dia a menina Ágatha escolheu brincar com uma câmera fotográfica e, assim como nos dias anteriores, tentei  brincar um pouquinho com todas as crianças. Na hora de brincar com ela pedi que tirasse uma foto minha, Ágatha tirou. Solicitei, então, que fotografasse uma das meninas que estava compartilhando a mesa com ela, Ágatha fotografou. Ela sabe que deve apertar o botão da câmera, sabe onde deve olhar. 

Aliás Ágatha entende muita coisa, ela acompanha a turma normalmente, entende quando as professoras falam com ela, mas na hora de brincar tem brincado sozinha. Nesse dia as crianças foram fotografadas pela Ágatha e talvez isso tenha criado uma relação que até então não estava sendo observada pelas próprias crianças. Durante as diferentes atividades desse dia um dos meninos gritou para as professoras:
- Professora! A Ágatha! Ela sabe falar! Outra menina complementou:
- Ela fala!
 A fala do menino parece não ter afetado a professora que continuou encapando cartelas de bingo com contact. Outra observação do menino:
- Ela falou tia.

De fato Ágatha fala "Tia" em vários momentos, às vezes está fora de contexto, mas muitas vezes ela está realmente chamando a professora. Algumas poucas vezes Kelly atende, outras não. Não vi Grasiley se relacionar com a menina. Mas, ao que me parece, elas não compreendem o que Ágatha fala e simplesmente continuam o que estão fazendo. O menino que chamou a atenção da professora sobre a Ágatha estar falando, ainda durante a brincadeira, explicou aos colegas da mesa:
-  Ela não entende.

Talvez as crianças escutem as professoras dizendo que ela não entende e que, também, não fala. Mas Ágatha prova o contrário e quando ela é chamada pela professora por que a sua van escolar chegou para levá-la para casa, a professora Kelly chamou:
- Ágatha!
A menina levantou, pegou sua mochila, foi ajudada pela professora a colocar a mochila nas costas e eu disse, incentivando as outras crianças:
- Tchau Ágatha!
Ágatha olhou para trás e acenou para a turma. 

Sim, ela fala! Me faltam referenciais teóricos e práticos de como lidar com essa situação e espero aprender com essa experiência. Pretendo observar como Ágatha se porta durante as cantigas cantadas pela turma e continuar compartilhando momentos dela com as outras crianças para que possamos discutir juntos possibilidades de intervenção. 

REFERÊNCIA:

MARTINS, Vanessa de O. & PRATES, Letícia P. C. S.. Distúrbios da fala e da linguagem na infância. Revista Médica de Minas Gerais 2011; 21 (4 Supl 1): p. 54-60.


 

Comentários

  1. Vinícius, nós falamos de tantas coisas em nosso encontro e falamos pouco de seu registro sobre Ágatha.

    Gostei muito: Ágatha fala e você também fala!
    Consegue dizer com muita clareza sobre a situação de Ágatha.

    Lamento que você esteja quase concluindo o curso de pedagogia sem uma discussão sobre linguagem, oralidade, e as dificuladades de fala que às vezes caracterizam algumas crianças.
    Na UC Psicologia e Educação II e na UC eletiva Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva: discursos, políticas e práticas esse tema é abordado, expandido. Acho que eu e você não nos encontramos antes, o que é uma pena!

    Não conheço os autores e o artigo referido por você, mas recomendo, além dele, outras leituras sobre o tema: leituras que lhe darão subsídios para fundamentar o que você já entende: Ágatha fala. Fala de muitas formas, inclusive quando silencia.

    Um grande desafio à transformação das concepções de criança pequena, educação infantil e, principalmente, de deficiência, distúrbios de desenvolvimento da fala e da linguagem é contribuir para que os professores/as transformem suas ideias sobre a linguagem e seu papel nos processos de desenvolvimento humano.

    A expectativa escolar e, principalmente das professoras, desde a educação infantil, ainda é marcada por um concepção linguagem reduzida à fala e a uma fala que, progressivamente, reproduza padrões de oralidade e venha a expressar/indicar o domínio da língua. Ainda não circula muito na escola, a ideia da linguagem como atividade constitutiva das crianças/pessoas/humanos compreensão que nos permite ver que a linguagem é meio, modo e matéria de constituições de nosso funcionamento psíquico, e que tem muitas funções além da função de comunicação (sem desconsiderar a importância desta)

    No encontro com o grupo, eu levei doisartigos que também encaminhei via email. Dê uma olhada no último email enviado para vocês. os artigos poderão lhe ajudar a pensar a siuação de Ágatha em sua interação com professoras e colegas e ter acesso a anotações introdutórias sobre a linguagem(ou sobre como a escola lida com a falta de uma fala que corresponda aos padrões, uma fala que configura problemas de comunicação).

    Como você pôde ver, bastou um "-bom dia", uma brincadeira de fotografia, para você ter a atenção de Ághata, para estabelecer um vínculo com troca de olhares e sorrisos, para que lhe respondesse. Como você percebeu, basta um adulto olhar de forma "positiva"para uma criança "falada" como "não falante"-inadequada-carente de atenção especial, para que as crianças também a olhem d eforma positiva, podendo assim escutá-la, perceber o que ela pode.

    Gostei muito de seu relato e sugiro que procure contribuir o máximo possível para que Ágatha interaja com o grupo. Acho que nem preciso dizer que o importante não é vocẽ ficar apenas com Ágatha, mas trazê-la ao grupo, levar o grupo até ela, ajudá-los a entendê-la para que, em sua ausência, eles possam ser os mediadores da relação de Ágatha com a escola.

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